Por: Carla Sena
Sou Brasileira, Piauiense, médica formada - diga-se de passagem com muito sacrifício - pela Universidade Federal do Piauí. Durante toda minha vida, vi meu pai (um homem justo e trabalhador, torneiro mecânico como nosso ilustre ex-presidente) passar por restrições sem medidas, pra não deixar faltar educação, saúde e alimento dentro de casa...
Quando criança, várias vezes, vi minha mãe ir de madrugada, dormir na fila de um hospital público pra conseguir marcar uma simples consulta e (talvez uma das cenas mais dolorosas que já presenciei) vi minha mãe dormir em cima de um pedaço de papelão, debaixo do berço do meu irmão caçula – internado por uma pneumonia... Eu devia ter pouco mais de 10 anos de idade, mas nunca vou me esquecer daquele sentimento: ISSO NÃO É JUSTO!!!
Motivada por esse desejo de fazer justiça, decidi que seria médica... Não foram poucos os sacrifícios, mas eu realmente acreditava que poderia fazer a justiça prevalecer.
Então me formei e – ávida por exercer a medicina com justiça – fui trabalhar no interior do Piauí. E não demorou pra eu conviver com um novo sentimento: a IMPOTÊNCIA!
Como evitar que aquelas crianças padecessem de diarréia, se tudo o que elas tinham para beber era a água de um poço???
Como tratar a pneumonia do pequeno, se os pais não tinham a menor perspectiva de conseguir comprar um antibióitico???
Como controlar a hipertensão ou o diabete daquela senhora já sequelada de AVC, se a medicação do posto não cobria o mês inteiro???
Falar de hábitos saudáveis onde não se tem água encanada ou luz elétrica??? Ou discursar sobre a pratica de atividade física regular, pra quem ‘pega a roça’ às 4h da manhã e só volta ao fim do dia com as mãos calejadas???
Foram 2 anos de luta... na maioria das vezes, sem as mínimas condições de trabalho... já atendi em casebres sem uma mesa sequer pra eu escrever (que se diga, examinar alguém...), já atendi em salões de igreja ou mesmo debaixo de árvores (privacidade do paciente???? Nem pensar!), já visitei povoados onde o acesso por carro só era possível 6 meses por ano (pq nos outros 6 meses a população ficava ilhada, à espera da promessa antiga de uma ponte...), já chorei ao ver a fome bem de pertinho em casas que visitei...
Minha sede por justiça só aumentou, assim como meu sentimento de impotência! Não vou dizer que não consegui fazer nada de bom... Sim, eu sei que ao menos meu sorriso, “meu efeito placebo”, minhas orientações e minha educação em saúde devem ter ajudado a transformar um pouquinho, a vida daqueles com quem convivi... mas confesso que ultimamente minha fé de que a justiça prevalecerá têm se abalado.
Ter que ouvir dos nossos gestores em saúde, que a dor do povo é fruto da falta de vontade dos médicos em trabalhar... ouvi-los propor que já que os médicos brasileiros não querem ‘socorrer o povo’ do interior do país, eles vão trazer “médicos de fora que queiram”... Isso só me faz pensar que ou sobra desumanidade e falta de caráter dos nossos gestores, ou eles não vivem nesse planeta!
Este problemsa não se resolve com eforma políotica, muito menos com plebiscito.
Este problema não se resolve com importação de médicos, nem tão co realização de plebiscito.