Rio e São Paulo — Levantamento feito pelo GLOBO com base em dados de três agências reguladoras — Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) — mostra que as cinco principais estatais ligadas ao governo federal que atuam nesses setores receberam quase meio bilhão de reais em multas nos últimos dois anos. Foram 202 autuações, totalizando R$ 495,8 milhões. Resultado da má qualidade dos serviços prestados, problemas de segurança e má conservação de equipamentos. O levantamento mostra ainda que essas empresas — Petrobras, Furnas, Chesf, Eletronorte e Infraero — são más pagadoras: 78,5% daquele montante ainda não foram quitados por estarem sendo contestados em esfera administrativa ou na Justiça. São R$ 388,9 milhões que ainda não entraram nos cofres públicos porque as companhias protelam seu pagamento. Uma situação controversa, em que o Estado adia uma punição imposta por ele mesmo, inibindo a melhoria dos serviços por parte das estatais, dizem especialistas.
A Petrobras se destaca pelo alto número de multas. Recebeu 84 sanções que totalizaram R$ 331,3 milhões. O valor corresponde a 70% do total de multas, em valores, aplicadas pela ANP em 2011 e 2012. Daquele montante, ela ainda deve à agência R$ 262,6 milhões, referentes a 29 autuações (79% do total recebido). Os números incluem subsidiárias.
A maior multa, de R$ 173 milhões, decorre de uma autuação da ANP em fevereiro de 2011 por divergências no pagamento de Participações Especiais (PEs), modalidade de royalty aplicada a campos gigantes de petróleo. A Petrobras vendeu equipamentos usados na indústria petrolífera a uma empresa e, em seguida, alugou esses equipamentos. Ao fazer isso, deduziu do valor devido de PEs o gasto com aluguel de bens, como permitido pela ANP. A agência, porém, entende que foi uma manobra da estatal para reduzir o pagamento e multou a empresa. O caso está na Justiça.
Na área de segurança operacional e meio ambiente, metade das 14 multas aplicadas pela ANP é questionada pela empresa e ainda não foi paga. Na descrição das razões das multas, a ANP diz que o “operador da instalação (plataforma) não garante a integridade mecânica dos seus sistemas críticos de segurança operacional”, sem dar mais detalhes sobre a infração. São plataformas nas bacias de Ceará, Potiguar (RN), Campos (no litoral capixaba) e Santos (SP). Há ainda multas referentes a não comunicação de incidentes em refinarias — a Refinaria Abreu e Lima (PE) foi multada em R$ 20 mil por isso — e queima de gás, entre outros.
Furnas, campeã de ‘inadimplência’
— O elevado número de multas relativas à segurança operacional se deve, em parte, ao aperto da fiscalização pela ANP desde o acidente com a BP no Golfo do México, em 2010. Mas também mostra que há espaço para que a empresa melhore seus serviços — diz Edmar Almeida, do Grupo de Economia da Energia da UFRJ.
Embora a Petrobras tenha recebido mais multas, Furnas desponta como a campeã de “inadimplência”. Não pagou uma multa sequer das 13 aplicadas em 2011 e 2012 pela Aneel, totalizando R$ 81,7 milhões. As razões vão desde má conservação das subestações a falhas que levaram a dois apagões no período. A maior multa (R$ 17,9 milhões) foi aplicada por causa de um apagão em 11 de dezembro de 2010, que deixou parte do Rio às escuras.
A Aneel também aplicou multa pesada, de R$ 13 milhões, por causa do mau estado de conservação da subestação de Itumbiara (GO). “Foram constatadas diversas anomalias que fragilizam a segurança da instalação, tais como ausência de parede corta fogo nos transformadores e reatores, vazamento de óleo em equipamentos, presença de materiais estranhos (casa de marimbondos, ninho e excremento de pássaros) em equipamentos e estruturas”, diz o relatório da agência.
Agências culpam os recursos
A Chesf recebeu 25 multas (R$ 69,8 milhões), 11 por atraso de obras. Não pagou 11 multas totalizando R$ 39,6 milhões (56,7% do total). Já a Eletronorte deve duas (R$ 1,3 milhão) das seis aplicadas pela agência (R$ 9,2 milhões).
Por terem as instalações mais antigas em operação no país, estatais de energia como Furnas, Chesf e Eletronorte — todas subsidiárias da Eletrobras — estão mais vulneráveis a problemas:
— Problemas como excrementos de pássaros têm que ter acompanhamento direto, e muitas subestações são monitoradas por câmera à distância. Isso preocupa mais agora, com a redução tarifária imposta pelo governo às empresas, o que diminuirá a capacidade de investimentos — diz Carlos Augusto Kirchner, diretor de Energia do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo.
A Infraero recebeu 74 multas no valor total de R$ 3,6 milhões. Pagou duas (R$ 104 mil) e está empurrando com a barriga as 97% restantes. As autuações incluem infraestrutura aeroportuária inadequada e falhas na prestação de serviços. Exemplo recente foi o blecaute do Galeão no fim de dezembro devido a uma pane na subestação do aeroporto, pelo qual a estatal poderá ter de pagar até R$ 50 mil. Na visão de Adyr da Silva, ex-presidente da Infraero, casos como esse explicitam “falhas de gestão”.
Para Floriano Azevedo Marques, professor direito público da USP, as multas não são a melhor forma de fazer com que as concessionárias prestem serviço de qualidade. Mesmo quando pagas, diz, não há garantia de que os recursos serão aplicados na melhoria do serviço, pois o dinheiro vai para o Tesouro sem qualquer compromisso de destinação. Por isso, ele defende sanções que atinjam as fontes de receitas das empresas, como proibição de contratações de novos clientes. Marques lembra ainda que o sistema permite recorrer da multa, protelando a decisão final.
— Quando o regulador não age de forma preventiva e apenas reage às panes nos serviços, aplicando multas de forma intempestiva, geralmente erra na dosimetria e no embasamento da sanção. Isso faz com que essas decisões possam ser contestadas no futuro.
Na ANP e na Aneel, são duas instâncias para recurso na esfera administrativa e, depois, a empresa ainda pode recorrer na Justiça. Na Anac, são três instâncias de recurso, antes de a disputa parar nos tribunais. A Anac esclarece ainda que um auto de infração pode ser arrecadado até cinco anos depois.
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