O que falta ao PT e aos seus seguidores, além de ética, honestidade, caráter, vergonha na cara, etc. é coerência.
Fonte: http://gab.miltontemer.sites.uol.com.br/tribuna_debates/103.html
Na teoria republicana clássica sempre se teve como certo que a
corrupção era a principal causa da decadência das repúblicas e de sua
transformação em regimes tirânicos ou monárquicos. Nas democracias modernas, em nome ao combate à corrupção alguns regimes de força foram implantados.
Hoje o problema não está no fato de a corrupção poder
proporcionar o fim da democracia, mas na convivência que ela estabelece
com a democracia. Uma democracia doente, porque a corrupção representa
uma violação das relações de convivência civil, social, econômica e política, fundadas na eqüidade,
na justiça, na transparência e na legalidade. Em suma, a corrupção fere
de morte a cidadania. Num país tomado pela corrupção, como o Brasil, o
cidadão se sente desmoralizado porque se sabe roubado e impotente.
O cidadão sabe-se impotente porque não tem a quem recorrer. Descobre que os representantes traem a confiabilidade
do seu voto, que as autoridades ou são corruptas ou omissas e
indiferentes à corrupção, que os próprios políticos honestos são
impotentes e que a estrutura do poder é inerentemente corruptora.
Dessa impotência se firmam as noções de que "nada adianta" e de que no
fundo "são todos iguais". A fixação desses sentimentos representa o fim
da cidadania, pois ela se baseia na participação ativa do indivíduo na luta por direitos e na cobrança e fiscalização do poder. Quanto mais agonizante a cidadania, mais ativa
se torna a corrupção. Nas condições da cidadania agonizante, o corrupto
sente-se à vontade para se justificar e até para solicitar o aval
eleitoral para continuar na vida política.
Em 16/4, o "Estado de São Paulo" publicou entrevistas sobre a
corrupção no País com os chefes dos três poderes - o presidente da
República, o presidente da Câmara dos Deputados e o presidente do
Supremo Tribunal Federal -. As entrevistas causaram espanto a muitas
pessoas, pois são o retrato fiel da indiferença das autoridades pela
corrupção. Os chefes dos poderes se limitaram a constatar a ineficiência
das instituições e a declarar-se perplexos e enojados com tanta
corrupção. Não é isso que se espera de quem tem o poder de agir e de acionar os instrumentos de combate aos corruptos.
O poder no Brasil não só não age, mas protege os corruptos. Todos
sabem que o problema da corrupção não se reduz apenas a uma escolha
entre o honesto e o desonesto. A estrutura do poder público é corruptora.
Em paralelo, a estrutura fiscalizadora - como o Banco Central, a
Receita e a Polícia Federal e a esfera judicial e processual - favorece a
impunidade, o que, na prática, se traduz em proteção, mesmo que involuntária, da corrupção. Mas se a corrupção, sua proteção
e a impunidade se tornaram estruturais, a verdade é também que, em
última instância, há uma vontade explícita de manter intacta a estrutura
corruptora.
Essa vontade se manifesta de várias formas. A principal é a falta
de iniciativa das autoridades constituídas. Outra ocorre pelo bloqueio
das mudanças institucionais e legais que visam a ampliar e aperfeiçoar
os instrumentos de combate à corrupção. Veja-se que no Congresso se
tentou aprovar o fim da imunidade parlamentar para crimes comuns, a
limitação do sigilo bancário e fiscal para detentores de cargos
públicos, medidas de combate à elisão e à sonegação fiscal, medidas de
combate à evasão ilegal e à lavagem de dinheiro, envolvendo até mesmo as
famosas contas CC-5, mudanças moralizadoras da Lei Eleitoral, etc.
Essas medidas foram sistematicamente derrotadas pela maioria governista,
com o apoio de chefes dos poderes superiores. Em contrapartida, a
Câmara aprovou o princípio que consagra o nepotismo; a Lei da Mordaça,
que dificulta a investigação judicial; ampliou-se o foro especial para
julgamento de autoridades e transferiu-se para foro especial o
julgamento de delitos previstos na lei de improbidade administrativa,
tornando-a ineficaz. Já o comando do Poder Judiciário não pode
limitar-se a constatar o anacronismo do Código de Processo Civil e
Criminal. Precisa propor sua reforma.
Hoje a sociedade já percebeu que a corrupção estrutural está
albergada na falta de vontade de mudar e de punir e na vontade explícita
de proteger. A racionalidade do cidadão não consegue compreender o
porquê e o como de o processo de impeachment, o escândalo do Orçamento, a falência dos Bancos Nacional e Econômico, o desvio milionário do TRT de São Paulo, a corrupção da Prefeitura da capital paulista
e de tantos outros casos de corrupção não resultarem em nenhuma prisão
dos principais envolvidos. E porque a razão não consegue compreender
essa medonha impunidade, o cidadão sente-se desmoralizado. A corrupção
assume a condição de normalidade da vida política do País. A degradação e
a ineficiência do poder público atingiram tão elevado grau que não se pode mais acreditar que, apesar de lentas, as mudanças virão.
Chegamos a um ponto em que somente uma profunda cirurgia
cívico-política pode conferir ao Brasil condições democráticas e éticas
de convívio social, econômico e político.
José Genoíno é deputado federal (PT-SP)
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