Editorial O Globo
Com o julgamento dos réus do mensalão, no final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal atingiu um ponto de eficiência que anabolizou a credibilidade do Judiciário brasileiro. Foi um trabalho admirável, que elevou a Justiça do país a um elevado e reconhecido nível de profissionalismo.
Mas boa parte dessa performance, responsável por desmantelar e impor punições à quadrilha (na definição do próprio STF), ancorou-se no rigoroso e impecável inquérito com o qual o Ministério Público recheou de provas o processo remetido à mais alta Corte do Brasil.
Por si só, a imprescindível participação do MP na minuciosa informação das peças que levaram à condenação do grupo tornou-se um atestado da importância da presença de procuradores e promotores em procedimentos investigatórios.
Mas, mesmo sem a contabilização do ruidoso episódio dos mensaleiros, tem sido positivo o saldo da participação do Ministério Público em investigações criminais no país, a maioria passada ao largo da publicidade na mídia.
Essa atribuição foi conferida ao MP pela Constituição de 88, como um dos muitos mecanismos de resguardo dos direitos da sociedade — muitos deles cassados ou simplesmente inexistentes no corpo jurídico do país durante o longo período de exceção do regime militar de 64.
É significativo que, entre os dispositivos de restabelecimento do estado democrático de direito inscritos na Carta pelos constituintes, figure entre os mais importantes a faculdade assegurada a promotores e procuradores de atuar como legítimos representantes da sociedade, sem subordinação a algum Poder constituído.
Para além da circunstância de o MP, de modo geral, exercer tais prerrogativas com grande competência, esse instituto retira do âmbito das polícias o monopólio da abertura e condução de inquéritos para apurar crimes.
Reside aqui um cuidado dos legisladores: órgãos subordinados ao Poder Executivo, as repartições policiais nem sempre são refratárias a pressões políticas ou ao corporativismo, nocivos às razões de Estado que devem lastrear as investigações criminais.
Por tudo isso, é deletério o movimento que se arma no Congresso, sob a capa da Proposta de Emenda Constitucional 37, para proibir o Ministério Público de atuar em inquéritos. O atual modelo tem funcionado de forma eficiente: o trabalho de promotores e procuradores não se sobrepõe ao da polícia — antes, se dá em colaboração, com o objetivo de tornar mais eficazes as peças de acusação. Uma instância não implica a invalidação da outra.
Há ainda outros aspectos a considerar. O primeiro, de ordem constitucional: o STF já considerou legal essa prerrogativa. Outro, diz respeito a uma grave implicação: por efeito cascata, aprovada a PEC, corre-se o risco de se suprimir também a função investigatória de órgãos como a CGU, a Receita Federal, o Coaf etc.
O projeto deve ir a plenário em junho, segundo a Mesa da Câmara. Eis uma boa oportunidade de os parlamentares mostrarem que estão antenados com os interesses da sociedade, resguardando esse importante papel do Ministério Público e mandando a proposta ao arquivo.
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