Roberto Espinosa

Não esperava, mas recebi resposta de Roberto Espinosa sobre o email que lhe enviei. A reposta dele foi a seguinte:

Caro senhor Luiz Felipe,

Não pretendo polemizar, mesmo porque respeito suas opiniões e crenças, mesmo quando equivocadas. Essa é uma diferença essencial entre o que eu penso (não posso falar em nome da ministra Dilma, com quem não tenho qualquer contato há mais de 30 anos) e a prática da ditadura militar no Brasil.

Na época lutávamos contra um regime ilegal e ilegítimo, produto de um golpe militar. Antes do que socialistas, pretendíamos dar de volta o poder de decisão a nosso povo.

Para sua informação, digo que jamais houve vítimas inocentes ou mesmo militares nas ações da VAR-Palmares (à qual a Dilma pertenceu) e à VPR (à qual somente eu pertenci durante sua primeira fase). Nossas ações eram cuidadosamente planejadas e, felizmente, jamais participei de um ato com vítimas do outro lado.

O mesmo não posso dizer do regime vigente à época. Chael Charles Shreier, preso comigo no Lins de Vasconcelos, em 21 de novembro de 1969, foi torturado até a morte 17 horas depois. Morreu deformado, vítima de covardes. Maria Auxiliadora Lara Barcelos sofreu todo tipo de torturas, até de natureza sexual, que fizeram com que perdesse a lucidez e acabasse se suicidando no metrô de Berlim. Ou seja, o regime que o senhor parece apoiar sustentava-se de tarados sanguinários. Eu fiquei preso quatro anos sem julgamento, sem direito a habeas corpus e a advogados. Mesmo depois de ser posto em liberdade continuei a ser peso, perseguido e demitido dos empregos que conseguia, em virtude de cartas e pressões do ex-SNI. Embora com formação superior, e só querendo trabalhar, teria passado fome, não fosse o apoio de minha família. Trago no corpo até hoje as marcas da tortura!

Mas não guardo ódio nem qualquer sentimento revanchista no coração. Tanto que o senhor jamais viu o meu nome associado a qualquer movimento de punição a ex-torturadores. Acho que a vida deve seguir em frente! E, se for para punir algum dos criminosos do passado, acho que isso deveria começar por cima, pelos generais que perpetraram o golpe de 1964 e os signatários do infeliz e infelicitante AI-5, a começar pelos senhores Delfim Netto e Jarbas Passarinho.

Se isso lhe trouxer alguma alegria e paz de espírito, informo-o que não sou anistiado, jamais recebi um centavo do Estado a qualquer título, jamais exerci funções públicas (exceto por seis meses, o cargo de secretário municipal do Trabalho, quando realizei um belo trabalho de inclusão social). Finalmente, quero lhe dizer que sou jornalista, vítima também da Lei de Imprensa, mas que continuo vivo e feliz, porque felizmente jamais causei a morte ou dores a alguém, mas sofri muito e creio que meus gritos e de meus companheiros até hoje acordam e assombram a noite dos torturadores.

Fui envolvido nessa polêmica pela Folha de S.Paulo, que usou meu nome e distorceu declarações. Mas digo-lhe que não sou, e jamais fui, do PT. Aliás sequer sou filiado a qualquer partido. Não participei das campanhas do Lula e, na maior parte das eleições, sequer votei nele. Também não tenho qualquer compromisso de natureza eleitoral com a ministra Dilma, mas tenho, sim, compromisso com a verdade histórica.

Respondi em atenção a seu esforço por me escrever. Não pretendo alimentar polêmicas, mas informo-o que, por baixo dos corpos em que o senhor vê monstros, existem corações, sentmentos, famílias e seres humanos. Também somos filhos e temos filhos, primos, vizinhos, amigos e clebramos certas datas.

Seja feliz, conserve a paz de espírito e tenha uma boa Páscoa.

Roberto Espinosa

Minha réplica foi a seguinte:

Caro Roberto

Realmente não esperava uma resposta sua. Muito obrigado pela sua atenção. Também respeito as suas opiniões. No entanto, como tendo vivido aquela época como já lhe disse, como estudante universitário, que não comungava com o socialismo, por isto sofri patrulhamento ideológico  que era praticado por professores e alunos que comungavam com suas idéias e não respeitavam qualquer outro tipo de idéia que não fosse o socialismo. O senhor está equivocado ao assumir que por ser contra o socialismo e o comunismo significa que sou a favor de regimes totalitários de direita. Não sou. Sou a favor da democracia e do capitalismo.

Quanto a sua afirmação de que antes do socialismo pretendiam dar de volta o poder de decisão ao povo, cito o primeiro artigo do estatuto da Vanguarda Armada Revolucionária que dizia:

" A Vanguarda Armada Revolucionária Palmares é uma organização político militar de caráter partidário, marxista-leninista, que se propõe a cumprir todas as tarefas de guerra revolucionária e de construção do Partido da Classe Operária, com o objetivo de tomar o poder e construir o socialismo".

O senhor afirma que nunca participou de um ato com vítimas do outro lado, mas sua organização sim, e agora estou imaginando, confesso, o senhor deve ter concordado com as ações que provocaram a morte das seguintes pessoas inocentes (apenas algumas)

Osíris Motta Marcondes Bancário – SP 15/12/67

Mário Kozel Filho Soldado do Exército - SP 26/06/68

Noel de Oliveira Ramos Civil – RJ 27/06/68

Wenceslau Ramalho Leite civil – RJ – 25/10/68

Estanislau Ignácio Correia Civil – SP- 07/11/68

Alzira Baltazar de Almeida - Dona de casa - Rio de Janeiro / RJ 07/01/69

Orlando Pinto da Silva Guarda Civil – SP – 09/05/69

Kurt Kriegel - Comerciante - Porto Alegre/RS – 22/09/69

Orlando Girolo Bancário – SP – 14/11/69

José Aleixo Nunes Soldado PM – SP – 10/11/70

Marcelo Costa Tavares Estudante – MG – 07/01/71

Fernando Pereira Comerciário – Rio de Janeiro – 20/02/71

Maria Alice Matos Empregada doméstica – Rio de Janeiro – 07/04/71

Gentil Procópio de Melo Motorista de praça – PE – 02/09/71

José do Amaral Sub-oficial da reserva da Marinha - RJ – 22/10/71

David A. Cuthberg Marinheiro inglês – Rio de Janeiro – 05/02/72

Sílvio Nunes Alves Bancário – RJ – 27/09/72

Pedro Américo Mota Garcia Civil – Rio de Janeiro – 22/02/73

Se vamos julgar alguém pelo passado, como Jarbas Passarinho, Delfin Neto, etc. deveríamos julgar também pessoas como o senhor que planejaram e executaram ações terroristas.

Admiro sua honestidade em não receber do povo brasileiro compensação pecuniária pelos crimes cometidos por sua organização revolucionária. Da mesma forma que por baixo dos corpos que o senhor diz que vejo monstros, debaixo dos corpos que o senhor também vê monstros e principalmente debaixo dos corpos daqueles que tombaram inocentemente vítimas de ações terroristas existem corações, sentimentos, famílias e seres humanos, que também celebram certas datas.

As feridas abertas pelo regime militar só serão sanadas através do arrependimento e do perdão. Tal como Cristo perdoou aqueles que o imolaram injustamente na cruz para pagar por meus e os seus pecados, devemos também perdoar aqueles que nos fizeram mal e pedir perdão aos que foram nossas vítimas intencionalmente ou não.

Mesmo não tendo participado do regime militar e como lhe falei, não apoiando nenhuma forma de ditadura e acreditando que somente a democracia e o capitalismo dignificam o ser humano, lhe peço perdão pelos excessos cometidos por pessoas inescrupulosas através de torturas e sofrimentos provocados aqueles que lutavam por um regime socialista totalitário e escravizante.

Espero que tenha tido uma boa Páscoa, lembrando-se sempre do sacrifício que Cristo fez por você, na certeza que os meus e os seus pecados foram pagos por ele na cruz, e assim nos concedeu a vida eterna apesar de não sermos merecedores.

Espero sinceramente que tenha se arrependido de seus atos cometidos contra inocentes.

Atenciosamente

Luiz